Não é nenhuma novidade constatar que relacionamentos podem ser conturbados e repletos de reviravoltas. A verdade é que a sensação de êxtase do início de um amor novo passa, e essa excitação vai se tornando gradativamente mais serena, até o momento em que se torna um tanto maçante. O tempo passa, as pessoas mudam e o brilho nos olhos vai perdendo o impacto. Ainda assim, há casais que sobrevivem à monotonia do cotidiano e reaprendem a se apaixonar de tempos em tempos. É justamente sobre tais percalços que Os 100 Adeus, comédia romântica dirigida e roteirizada por Lawrence Cheng, nos conta.
Sam (Ekin Cheng) e Barbara (Chrissie Chau) são mais um desses casais que estão juntos há tempo o suficiente para compartilhar espaço no mesmo banheiro. Eles compartilharam muito mais que isso: um cômodo, uma casa, uma vida. Com isso, o relacionamento dos dois parece estar desgastado: as piadas de Sam não são mais tão engraçadas – tornaram-se imaturas; o humor ácido de Barbara não é mais um charme – agora, é meramente chato.
Esses pequenos detalhes do dia a dia são o principal motivo de tantos términos: 99, até aqui. Foram 99 vezes que o trem saiu do trilho, e os dois tiveram que se esforçar para que ele retomasse o seu devido lugar. Um pedido de desculpas por parte de Sam, uma tentativa de melhor compreensão por parte de Barbara. Nesses 99 términos, eles se tornaram mais fortes, mas também mais cansados.
Depois do 99º término, Sam e Barbara decidem abrir um pequeno negócio juntos: uma cafeteria chamada “Le Je Taie“, na qual os clientes poderiam desfrutar de uma “autêntica” refeição francesa – mesmo que para atender os seus primeiros clientes eles tivessem que ligar para a cafeteria concorrente e realizar o mesmo pedido que o cliente havia feito, mas para entregar para a viagem. Em suas inocências, o que eles não haviam percebido, no entanto, é que o próprio nome do estabelecimento havia sido grafado errado. E isso não poderia ser um bom presságio.
“Sorte nos negócios e azar no amor”, esse poderia ter sido o slogan reservado para a pequena Le Je Taie. Foi justamente ali, servindo pratos, mantendo os negócios ativos e observando os clientes que vêm e vão, que eles puderam contemplar o desfecho de diversos relacionamentos. A cafeteria se tornou palco para casais que se desentendiam, brigas que corriam soltas e rompimentos definitivos de amantes que juraram seu amor um pelo outro.
Nesses rompimentos públicos, muitos casais deixam para trás pertences de valor afetivo. Talvez por esquecimento, talvez porque queiram esquecê-los. É a partir dessa constatação que Sam tem a ideia de alugar um pequeno espaço dentro do café para que os clientes possam se desfazer de tais itens. Assim, alianças, pelúcias e fotografias são temporariamente deixadas para trás, dentro do estabelecimento, para que os corações possam ser curados.
A partir dessa estante do término, o Le Je Taie se transforma em um negócio de sucesso. Pouco importa o sabor da comida ou a qualidade do café, desde que tais itens possam ser deixados para trás. Pouco a pouco, a estante do término vai sendo preenchida de memórias de relacionamentos passados alheios, e, em paralelo, o ego de Sam vai se tornando inflado. Depois de anos sendo considerado imaturo por sua parceira, ele finalmente surgiu com uma ideia que vingou e, agora, se sente preparado para dar o próximo passo.
Com o apoio de alguns amigos próximos e sem nenhum comunicado à Barbara, Sam decide procurar lojas no bairro para alugar, no intuito de desenvolver filiais do Le Je Taie. Acontece que, ao descobrir, Barbara não só se sente traída, como não deposita nem um pouco de confiança na ideia de Sam. “Quanto tempo isso vai durar?“, questiona. De fato, Sam não se responsabiliza enfaticamente sobre a administração dos negócios e se inspira meramente na efemeridade de ter tido uma boa ideia. Com isso, pela centésima vez, Barbara decide deixá-lo.
Dessa vez, diferentemente do que ocorreu até aqui, Sam não pretende correr atrás de sua parceira para pedir desculpas. Afinal, ele também se sente traído com a falta de confiança dela. Por outro lado, Barbara parece certa sobre o vindouro pedido de desculpas. Surpreende-se, porém, com a chegada demorada. Pela primeira vez, os dois parecem precisar de tempo para organizar os sentimentos que têm um pelo outro.
De forma agridoce, o filme se encerra com um reencontro mais do que sereno, no qual, nos segundos finais, podemos observar que nossos protagonistas deram as mãos. O futuro do relacionamento, entretanto, segue parecendo incerto, visto que não houve uma evolução real de ambos os personagens.
Como comédia romântica, Os 100 Adeus não tem nada de engraçado. Não há reviravoltas emocionantes, e causa até certa estranheza ao espectador o relacionamento dos protagonistas. Não há fortes motivos ou identificação o suficiente para torcermos pela separação ou união final dos dois, embora o filme nos deixe a dramática reflexão acerca de nossos próprios relacionamentos amorosos e certa inveja da ideia de se ter um lugar equivalente à estante do abandono.
Ficha Técnica:
País: China (HK) | Direção: Lawrence Cheng | Roteirista: Lawrence Cheng | Elenco: Chrissie Chau, Ekin Cheng, Ivana Wong | Duração: 105 min | Ano: 2014.
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