Desde o merecido Oscar de Parasita e a recente pandemia de COVID-19, que tem impossibilitado o amplo acesso às salas de cinema, a plataforma norte-americana de streaming Netflix tem nos brindado com catálogo relativamente diverso de filmes sul-coreanos. Esse é o caso de The Witness, do estreante Jo Kyoo-jang, que, entre altos e baixos, traz ácida crítica à indiferença com a qual a sociedade contemporânea lida com as relações humanas.
Com um roteiro extremamente simples, a narrativa apresenta Sang Hoon (Sung-min Lee), que, ao chegar do trabalho em uma madrugada, testemunha, através de sua janela, o brutal assassinato de uma moça. Antes que pudesse denunciar o acontecimento, sua esposa acorda no meio da noite e acende as luzes, chamando a atenção do assassino do lado de fora, que imediatamente nota Sang Hoon. Preocupado com o bem-estar de sua família por ter sido percebido, Sang Hoon deixa de denunciar o crime para a polícia e passa a viver acuado com a possibilidade de ser encontrado.
Esses minutos iniciais da trama marcam o início de uma perseguição implacável que nosso protagonista passará a experienciar, na qual tudo o que parece importar é a sua própria segurança e a de seus entes queridos. Para isso, San Hoon estará disposto a se calar, a mentir sobre a verdade e a ignorar a dor da perda dentro de sua própria vizinhança.
Na manhã seguinte, o corpo da vítima é encontrado e o detetive Jae-yeob (Kim Sang-Ho) assume o caso, passando a interrogar os moradores do complexo residencial para tentar localizar o criminoso. No entanto, ele se depara com a fria indiferença da maior parte dos moradores e uma preocupação exclusiva com a possível alteração no valor dos imóveis devido à má fama da região.
Enquanto isso, o assassino Tae-ho (Kwak Si-yang), sempre à espreita, atua como um verdadeiro stalker, mapeando e vigiando as testemunhas para garantir que não seja pego. Assim, intimida o protagonista, comete outro assassinato, bem como manda “mensagens” horripilantes – como matar um animal de estimação e enviar sua cabeça para os donos – no intuito de controlar a situação.
O filme se perde pelo meio do caminho ao prender-se excessivamente na atmosfera de thriller e preterir o roteiro. A violência, típica da estética cinematográfica sul-coreana, chega a incomodar, visto que se sobrepõe à narrativa e torna o passar dos minutos um tanto quanto arrastado.
As motivações de Tae-ho não são explicadas na trama, falta aprofundamento em sua personalidade e o seu passado não é revelado. Não há nuances em sua apresentação, tornando-o um vilão meramente vil. De fato, o roteiro carece de “nós” que deixariam a história mais envolvente e bem amarrada.
Mais para o término, Sang Hoon e detetive Jae-yeob conseguem agir em alguma sintonia, visto que ambos possuem o objetivo em comum de impedir que o assassino continue à solta. Grotescamente, é Sang Hoon que consegue limitá-lo e levar Tae-ho para trás das grades. Assim, nosso protagonista finalmente alcança a paz necessária para continuar vivendo com sua família – agora em outra vizinhança.
Ainda assim, de forma irônica, o filme é encerrado da mesma forma que começa: no pátio do complexo residencial, com Sang Hoon, agora transformado por suas últimas experiências, gritando por socorro no meio da noite. Ele aguarda que as luzes acendam e que alguém venha averiguar o que está acontecendo, principalmente depois de traumáticos assassinatos ocorridos na vizinhança. E se choca, em uma brilhante atuação de Sung-min Lee, ao perceber que nada mudou e que ninguém acenderá a luz, revelando, por fim, a total indiferença com o bem-estar do outro.
Sem dúvida, o que The Witness traduz é um retrato triste da sociedade contemporânea, que vive os seus dias fechada dentro de suas próprias bolhas e com uma cruel falta de empatia com a vida dos outros.
Ficha Técnica:
País: Coreia do Sul | Direção: Jo Kyoo-Jang | Roteirista: Lee Young-jong | Elenco: Lee Sung-min, Kim Sang-ho, Jin Kyung, Kwak Si-yang | Duração: 111 min | Ano: 2018
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