MidiÁsia

Ao se falar sobre a China no Ocidente, os discursos e narrativas tendem a ser pejorativos, com um tom ameaçador e repleto de uma profunda falta de conhecimento sobre o gigante asiático. A verdade é que, para além de estereótipos envolvendo comidas exóticas, artes marciais e preconceitos associados à sua cultura e sistema político, a China permanece sendo um território pouco explorado no senso comum do cidadão brasileiro. Por sorte, com o apoio das facilidades promovidas pelas novas tecnologias da comunicação, nos encontramos em uma posição privilegiada para investigar um pouco melhor tal país através de seus produtos midiáticos, que podem ser encontrados em plataformas de streaming como a Netflix e outras vias não oficiais. É nesse contexto que nos deparamos com Our Shining Days, um filme musical de temática adolescente que aborda uma emocionante batalha entre instrumentos musicais tradicionais chineses e os instrumentos clássicos ocidentais. Embora muitos possam torcer o nariz para filmes teen, saiba de antemão que, de bobo, Our Shining Days não tem nada.

A história acompanha dois grupos de estudantes de uma escola de música – um da orquestra chinesa e o outro da orquestra clássica – que vivem numa atmosfera de constante rivalidade, competindo sobre quais instrumentos musicais são melhores. O primeiro grupo é composto por estudantes focados em tocar os instrumentos que conhecemos no Ocidente, como o piano e o violino, enquanto a orquestra chinesa é especializada em instrumentos musicais tipicamente chineses, como o yangqin e o guzheng, sobre os quais dificilmente os espectadores ocidentais detêm conhecimento a respeito. Evidentemente, como todo bom filme de temática adolescente, ele trabalha com clichês do gênero e, com isso, existe uma disputa de poder entre o grupo “popular” e o grupo minoritário, que é constantemente perseguido pelos populares e pela administração da escola. Nisso, os estudantes da orquestra chinesa precisam se reafirmar e reafirmar a importância de seus instrumentos diante de um cenário de zoações e ameaças de perda de espaço físico, o que os impediria de praticar.

Em um primeiro momento, a protagonista Chen Jiang (Xu Lu) não se vê envolvida com essas dinâmicas conturbadas entre os grupos rivais, pois está concentrada em seu próprio cotidiano. No entanto, esse cenário rapidamente se transforma quando ela se apaixona pelo pianista Wang Wen (Luo Mingjie). Ao se declarar para Wang Wen, ele não somente a rejeita, como também exalta publicamente o seu desapreço pelos instrumentos musicais chineses, fazendo-a se sentir humilhada. Assim, Chen Jiang rapidamente assume a liderança da disputa musical e se vê determinada em provar tanto para Wang Wen quanto para a orquestra clássica – e à própria escola – o valor e a importância dos instrumentos musicais chineses.

Créditos: Surrounded by Films

Através da metáfora da rivalidade entre dois grupos que preferem instrumentos musicais diferentes, traça-se nas entrelinhas a atual narrativa da recorrente competição por protagonismo e liderança global entre a China e o Ocidente, representado principalmente pelos Estados Unidos. De fato, a importância da China no cenário internacional tem se apresentado de forma cada vez mais proeminente, seja por conta de sua pujança econômica ou de seu desenvolvimento tecnológico que vem chamando a atenção ao redor do mundo. Além disso, são perceptíveis os recentes e crescentes investimentos chineses para propagar a sua cultura ao redor do mundo através de institutos culturais, como o Instituto Confúcio (ICs), da inserção da mídia chinesa em diversos idiomas (como a Xinhua News e o China Daily) e da busca em aperfeiçoamento de linguagem para a criação de um cinema com forte apelo internacional. O avanço da China, sem dúvida, contribui para colocar em xeque as pressuposições sobre essa nação diante do mundo ocidental.

Para desafiar a orquestra clássica de forma oficial, Chen Jiang se une com outros cinco estudantes da orquestra chinesa: Li You (Peng Yu Chang), seu melhor amigo que toca o tambor chinês; Xiao Mai (Liu Yongxi), também conhecida como “senhor dos mil dedos” por conta de suas performances super populares nas comunidades otakus da internet; Ying Zi (Li Nuo), que toca erthu (uma espécie de flauta) e sofreu tanto bullying na escola que parou de falar; Beibei (Lu Zhaohua) e Tata (Han Zhongyu), duas meninas que se vestem no estilo lolita e que tocam ruan e pipa. Juntos, eles formam a banda 2.5 Dimension. No entanto, a falta de popularidade de Chen Jiang é tão expressa que, para conseguir formar a banda, ela se compromete a comprar action figures de preço elevado para as participantes não a deixarem na mão e usarem seus talentos em conjunto para o bem da banda.

Em uma explícita referência à cultura pop japonesa, a 2.5 Dimension é convidada para fazer uma performance ao vivo em uma convenção de animê, na qual também se depara com olhares desconfiados do público que estava animado com apresentações musicais anteriores de grupos de C-Pop. No entanto, quando a banda começa a tocar, o público geek do evento acaba se aglomerando e ampliando a audiência, aplaudindo ativamente os músicos e disponibilizando a apresentação em plataformas digitais.

Pôster promocional do filme. Créditos: Edko Films Ltd

Com a popularidade recém-obtida, Chen Jiang, diante de uma plateia de estudantes, novamente se declara para Wang Wen, mas recebe mais um “não” como resposta. Em mais uma metáfora, Wang Wen, pianista clássico, rejeita a protagonista ao dizer que eles são muito diferentes e que têm objetivos distintos, pedindo, portanto, para que ela pare de atrapalhar a vida dele. No entanto, inesperadamente, os espectadores da cena compram o lado da protagonista e a defendem das humilhações recebidas. Nesse momento, Li You assume a cena, em uma brilhante atuação do jovem ator Peng Yu Chang, que ensina a Wang Wen e a nós, os espectadores, as origens do yangqin, que é tocado na China há mais de 400 anos. Nessa alegoria, o roteiro ressalta o valor das tradições chinesas e exige o respeito merecido por sua história e sua cultura.

No retorno das férias de verão, a orquestra chinesa é surpreendida com o anúncio do encerramento das atividades do departamento devido a pouca popularidade obtida ao longo dos anos. Nisso, os estudantes se propõem a defender a permanência do departamento e embarcam em uma disputa musical contra os alunos da orquestra clássica. Em uma emocionante disputa sonora, a orquestra chinesa se faz vitoriosa, obrigando a orquestra clássica a reconhecer a qualidade e o valor dos instrumentos tradicionais chineses. Além disso, as apresentações da orquestra chinesa em eventos oficiais e de prestígio, para além do ambiente escolar, acabam por influenciar uma nova geração de estudantes de música que, inspirados nesse grupo, vão optando por aprender mais sobre os instrumentos tradicionais.

Our Shining Days traduz uma celebração da China de maneira leve e ambiciosa, por meio da qual dialoga com o público jovem ao mesmo tempo em que consegue transpor a importância de suas tradições e o orgulho pelo passado – no filme, um tanto repaginado. Com o pano de fundo musical, a batalha entre Oriente e Ocidente se torna a veia condutora dos acontecimentos. Independentemente de vitórias ou derrotas musicais, o filme traz uma abordagem revigorada sobre sua própria sociedade, quebrando estereótipos do gigante asiático e revelando uma profunda autoestima. Nisso, a China nos brinda com sua tradição musical, jamais contemplada no Ocidente, e nos apresenta uma trilha sonora repleta do empolgante som do C-Pop.

Créditos: Ignite Chinese

Ficha Técnica:

País: China  | Direção: Wang Ran | Roteirista: Bao JingJing | Elenco: Xu Lu; Peng Yuchang; Liu Yongxi; Li Nuo; Lu Zhaohua; Luo Mingjie; Han Zhongyu | Duração: 100min | Ano: 2017


0 comentário

Deixe um comentário

Avatar placeholder

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *