Existe um jeito certo de morrer?
O anime Jujutsu Kaisen, de 2020, é baseado no mangá de mesmo nome, lançado pela Weekly Shonen Jump, desde 2018. A autoria é de Gege Akutami. A obra conta a história de Yuji Itadori, um estudante do ensino médio com uma força sobre-humana. Ele leva uma vida normal, evitando estar em espaços onde essa força física seja vista. O primeiro contato que temos com o personagem nos mostra Yuji se inscrevendo em um clube de ocultismo, para evitar fazer parte do time de beisebol. Ele sabe de sua força, mas evita torná-la uma obrigação ou uma responsabilidade.
Participante de um clube cujo tema ele não se interessa, Yuji faz amizade com os outros dois integrantes, formando um trio improvável. Com sequências rápidas e poucas side quests, já no primeiro episódio os dois amigos de Yuji encontram um dedo amaldiçoado, que mais para frente é descrito como parte de Sukuna, um dos demônios mais poderosos a existir no universo Jujutsu. Com o dedo nas mãos de integrantes de um clube de ocultismo, o poder de Sukuna é liberado na escola.
Enquanto a trama da maldição liberada se desenrola, Yuji enfrenta um dilema pessoal que vai ditar sua trajetória ao longo da obra: a morte de seu único familiar, o avô. O homem, ao falecer em uma cama de hospital com apenas o neto como companhia, impõe uma “maldição” a ele: viver a vida usando a força para salvar aqueles que não possuem os mesmos dons, para assegurar que Yuji não tenha uma morte indigna.
Com esse questionamento em mente, além do luto, o personagem volta ao colégio atrás de seus colegas e lá se encontra pela primeira vez no universo dos feiticeiros Jujutsu.
Somos introduzidos a uma nova realidade, paralela ao mundo das pessoas comuns, com maldições, feiticeiros, expansões de domínio, solidão e negatividade. As regras que ditam a realidade Jujutsu são, por vezes, contraditórias. Humanos criam, por meio de seus pensamentos negativos, maldições que se manifestam de diferentes formas, invisíveis às pessoas comuns, mas que têm reações em suas vidas.
Uma das cenas, que também nos introduz a um dos personagens mais emblemáticos da série, mostra essa reação na vida de uma pessoa comum. Nanami é um feiticeiro já formado na escola Jujutsu, que decide entrar para o mundo corporativo e desiste da realidade das maldições, cheia de condutas e perdas. Ao frequentar uma padaria saindo do trabalho, ele se depara com uma atendente que sente dores nas costas, por ter uma maldição pregada em seu ombro. Enquanto debate se deve ou não ajudar a moça, Nanami chega à resolução de que o sistema real é tão precário em méritos de trabalho quanto o mundo Jujutsu e, como uma expansão de um mundo em outro, decide voltar àquilo que foi treinado a fazer, retornando ao mundo jujutsu.
Suas divagações, seus devaneios sobre trabalho e mérito batem de frente com Gojo, outro personagem emblemático da série, tido como personagem principal do mangá por muitos fãs.
Gojo é a personificação do nepotismo, tendo herdado poderes e status de sua família, um dos clãs principais no mundo Jujutsu. Com as cartas que o destino lhe concedeu, ele dita o balanço de poderes entre feiticeiros e maldições, o embate de quem está certo e errado na luta por poder. Vemos um personagem expansivo, mas sozinho. Contudo, ele tem um único amigo em sua vida, sendo futuro antagonista de seus ideais. Em sua solidão imposta por sua descendência e poderes, Gojo funciona como um “Ás” para os feiticeiros e a maior barreira que impede que as maldições tomem o poder no mundo. Qaul o o impacto de tanto poder sobre ele, um personagem que lida com a solidão de ser o mais forte?
Ainda em discussões de poder, a maior demonstração de força dentro do anime é a expansão de domínio. Existem diversos fóruns onde fãs discutem a expansão de personagens, sem chegar a uma conclusão sobre seu funcionamento. As regras não se aplicam totalmente a essa técnica. Fica ao telespectador a missão de aceitar o que é descrito, mesmo sem entender, ou tentar criar sua própria lógica para justificar a expansão. Ela funciona como uma forma de sobrepor o eu ao outro, inserindo na realidade de todos a sua volta uma personificação do eu, física, em um ambiente que quem passa a controlar é aquele que expande seu domínio. Ou seja, quanto mais forte o personagem, maior a influência de seu domínio na realidade.
Tudo é, no final das contas, individual. O domínio representa a individualidade imposta pelos personagens, por meio de sua força. Os antagonistas, as maldições, também travam uma batalha que é unificada apenas por interesse. No final do dia, cada um deseja atingir um ganho específico, individual. Os feiticeiros, toda a sociedade Jujutsu, prezam pelo poder individual, pelo “trabalho” e pela força que cada um pode oferecer. Nessa realidade, Yuji e seus amigos tentam se encaixar e entender seu papel em uma sociedade que não dá tempo para respirar.
Conforme diversas mortes acontecem e abalam o personagem, ele tenta lidar com a sua própria maldição: como salvar a todos, lidar com o luto e, ainda por cima, ter uma morte digna? Morrer é uma ação representativa em Jujutsu e, Yuji, um grande mártir, fadado a esse fim, busca encontrar formas de aliviar o peso de sua maldição.
Ficha Técnica:
País: Japão | Criação: Gege Akutami | Número de Episódios: 46 | Ano: 2020
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