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O que você faria se voltasse no tempo? E ainda mais, o que você faria se encontrasse seus pais no passado durante a viagem? Como você lidaria com essa situação? Mudaria algo? Os aficionados em fantasia e histórias de viajantes no tempo já pensaram nessas perguntas. Bom, essa foi a realidade de Ha Eun Gyeol (Ryeoun), protagonista do drama coreano ‘Twinkling Watermelon’, transmitido em 2023 pela emissora TVING e disponível para assinantes da plataforma de conteúdos asiáticos, Viki.

A obra possui um forte apelo ao público por ser um drama familiar que mistura tons de comédia e fantasia em uma narrativa envolvente, repleta de temas instigantes a serem colocados à discussão. Além da história, que é conduzida de forma espetacular, apesar de alguns deslizes pequenos no roteiro que, de forma alguma, afetam a mensagem passada, ‘Twinkling Watermelon’ possui quatro protagonistas cativantes que conseguem direcionar a trama, de forma única e singular, ao seu propósito.

À primeira vista, ‘Twinkling Watermelon’ pode parecer uma narrativa simples e convencional sobre viagem no tempo. No entanto, a trama vai além, conseguindo abordar de maneira simplificada algumas conversas que envolvem temas tabus. Desde os primeiros momentos do drama, o capacitismo é abordado de forma frequente e bem delineada, além de tratar também de conversas sobre a autodescoberta na juventude, abandono e abuso parental.

Foto: Divulgação TVN

Logo no primeiro episódio, são-nos apresentados quatro personagens: Han Eun Gyeol, personagem principal; Ha Yi Chan e Cheong Ah, pais de Eun Gyeol; e Eun Ho, seu irmão. A história começa a partir deles: uma família pobre que possui um restaurante de frango frito e vive harmoniosamente, apesar dos desafios do dia a dia, não apenas relacionados à surdez de Yi Chan, Cheong Ah e Eun Ho, mas também às questões financeiras que os afetam. Após um acontecimento que pôs em risco a vida de Eun Ho, eles decidem se mudar da área industrial onde moravam e procuram um espaço localizado em uma área mais urbana. É a partir daí que a história começa a se encaminhar para a viagem no tempo.

De forma cautelosa, ‘Twinkling Watermelon’ apresenta os personagens surdos da história como personagens bem determinados e independentes, sem serem colocados em uma posição de inferioridade por conta da surdez. É uma forma muito responsável de representação. Podemos trazer como exemplo a situação do primeiro episódio, em que um vendedor de vegetais leva as sobras do supermercado para o restaurante e Cheong Ah o confronta, através de Ha Eun Gyeol, dizendo que “Só porque ela não consegue falar ou ouvir, não significa que ela seja estúpida”. É uma representação dos desafios do dia a dia e a maneira como as pessoas com deficiências são vistas muitas vezes pela sociedade.

Essa representação é um dos pontos altos que tornou ‘Twinkling Watermelon’ uma obra tão aclamada e querida pelo público, uma vez que a trama não se prende a estereótipos limitantes ou que, de alguma forma, inferiorizam e limitam os personagens a alcançarem os seus objetivos. Nesse ponto, ‘Twinkling Watermelon’ se destaca, com a personalidade cativante de cada um dos seus personagens e condução espetacular da representatividade.

Foto: Divulgação TVN

Ha Eun Gyeol, após a mudança, teve uma infância marcada pelo bullying por conta da condição de seus pais. Um grupo de alunos o considerava inferior, julgava e agredia por isso. Esse momento de sua vida foi apresentado logo nos dois primeiros episódios, em que também nos é introduzido o seu “Mestre” – essencial em todo arco do herói. Com ele, Ha Eun Gyeol descobre sua paixão pela música e instrumentos. Aquela loja musical se torna um refúgio. Porém, em um fim trágico, Ha Eun Gyeol perde esse mestre e, em seguida, sofre uma das situações mais traumáticas de sua vida, que o moldam em um jovem diferente: agora, sem o seu tutor, sem a paixão pela música e sem um sonho a ser alcançado.

Essas sequências de acontecimentos na sua infância e na juventude acabam se tornando uma grande bola de neve e, após uma discussão com seu pai, Eun Gyeol se vê em uma situação inusitada: uma viagem ao passado.

Foto: Divulgação TVN

Simultaneamente, durante os episódios, observamos uma transição constante entre o presente e o passado. Apesar das novas mudanças causadas pela interferência do Eun Gyeol, as diferentes linhas do tempo se complementam de maneira harmoniosa. É interessante e dinâmica a forma como os personagens são apresentados, porque você conhece o Yi Chan jovem antes mesmo do Eun Gyeol conhecê-lo, o que torna mais fácil criar uma simpatia pelos personagens que protagonizam a trama futuramente. A condução é feita com muita maestria.

A narrativa passa por uma transição marcante no momento concreto da viagem, transportando-nos para o ano de 1995. Neste novo contexto, deparamo-nos com os mesmos personagens, porém, interpretados por atores mais jovens. A partir desse ponto, a trama se desdobra em uma envolvente exploração de descobertas, juventude, amizade e família, culminando na proposta cativante de ‘Twinkling Watermelon’.

Foto: Divulgação TVN

Neste momento, somos apresentados à infância e adolescência de Cheong Ah, uma jovem surda congênita. Filha de um empresário pouco presente em sua vida, ela vive com sua madrasta após o abandono de sua mãe do lar. A ausência de explicações para esse evento deixa um questionamento em aberto, persistindo até mesmo ao desfecho da trama. 

Cheong Ah é uma jovem apaixonada pela arte. Por ser violentamente proibida de comunicar pela língua de sinais, encontra refúgio nos desenhos e na pintura para sua vida solitária em uma mansão gigantesca, sem afeto materno e paterno. Sua maior inspiração é Frida Kahlo, uma pintora mexicana que foi uma defensora dos direitos das mulheres, tornando-se um símbolo do feminismo. 

Foto: Divulgação TVN

A jovem tem como sua pintura favorita da artista uma obra de natureza-morta intitulada como “Viva la Vida”. A tela retrata pedaços de melancias, com cores vibrantes, em especial o vermelho e o verde. Esse quadro se propõe a mostrar um lado divertido e lúdico da artista plástica que, até o momento, não era conhecido. 

A trajetória de ambas é marcada pela determinação e resiliência, apesar das inúmeras adversidades sofridas.

Neste ponto crucial do drama, o capacitismo é retratado com intensidade e violência. Lim Ji Mi (Kim Joo Ryoung), a madrasta de Cheong Ah, foi introduzida na trama como tutora da jovem, prometendo ao pai Yoon Gun Hyung (Kim Tae Woo) que ela falaria, mas de uma maneira não consensual e opressiva, excluindo o uso da língua de sinais. Desde a infância, Cheong Ah foi privada do direito fundamental de se comunicar com o mundo ao seu redor. Sua única forma de comunicação foi por meio de gestos não refinados e escritas em notas de papel, enquanto a oportunidade de se expressar através da língua de sinais foi cruelmente roubada dela. Ela vivia em um experimento de Kaspar Hauser linguístico. 

Foto: Divulgação TVN

A situação se transforma quando ela conhece os personagens Yi Chan (Choi Hyun Wook), Ha Eun Gyeol e Eun Yoo (Seol In Ah). Sua vida se transforma, e ela passa a interagir com o mundo lá fora. Começa a aprender a língua de sinais e percebe que não está mais sozinha, passando a se posicionar contra sua madrasta. É interessante ver como o desenvolvimento pessoal da personagem é conduzido, pois ela nunca foi colocada em uma situação de completa passividade; ela lutava contra as violências sofridas, porém, sem apoio do mundo externo, nada poderia ser realizado. Agora, com a ajuda de amigos, sua situação foi completamente transformada.

Yi Chan e Eun Yoo são os personagens que injetam humor na trama, mas vão além da função de alívio cômico, apresentando narrativas sólidas que contribuem para história do ambiente familiar problemático e disfuncional explorado por ‘Twinkling Watermelon’. Criado pela avó, Yi Chan enfrenta o abandono do pai, ausente devido ao vício em jogos, e a ausência materna, que não desempenha um papel significativo em sua vida. Apesar dessas adversidades, Yi Chan encontra suporte emocional e afetivo em sua avó, Go Yang Hee (Go Doo Shim), tornando-a uma figura crucial em sua vida.

Foto: Divulgação TVN

Eun Yoo desempenha o papel de protagonista ao lado de Eun Gyeol, ambos viajantes no tempo que regressam ao passado com um propósito comum: viver uma juventude que lhes foi roubada, ainda que por um breve período. Eun Yoo enfrenta uma vida familiar complicada e possui uma relação complexa e angustiante com a música, causada pela relação abusiva que cultivava com sua mãe. Eun Yoo é uma personagem dotada de personalidade única e irreverente. A abordagem escolhida para explorar sua trajetória é intrigante: por trás da fachada exibida em seus círculos de amizade, Eun Yoo carrega um vida cheia de traumas, ocasionando em constantes crises de ansiedade, ataques de pânico e ideações suicidas. 

‘Twinkling Watermelon’ se destaca notavelmente ao abordar temas reais e desafiadores com a responsabilidade necessária. A obra brilha ao apresentar com diligência questões sensíveis, como as vivenciadas por Eun Yoo, e ao retratar de maneira autêntica o cotidiano de uma pessoa com deficiência e os desafios do preconceito enfrentados diariamente.

Embora ‘Twinkling Watermelon’ alcance sucesso em transmitir sua mensagem, a história apresenta algumas falhas no roteiro que poderiam ser aprimoradas com maior atenção por parte da produção. O desfecho parece apressado, quebrando o ritmo da narrativa nos dois últimos episódios. A personagem Eun Yoo, enquanto protagonista e viajante do tempo ao lado de Eun Gyeol, não recebe um final condizente com sua importância na trama. Deixando diversas perguntas sem resposta, como a resolução de sua relação com a mãe e se os conflitos familiares foram devidamente desenvolvidos. Apesar dos espaços no roteiro que ficaram sem preenchimento, ‘Twinkling Watermelon’ destaca-se como uma das obras mais sensíveis e belas lançadas em 2023. 

País: Coreia do Sul | Direção: Son Jung Hyun | Roteiro: Jin Soo Wan | Gênero: Romance, Juventude, Drama, Fantasia | Número de Episódios: 16 | Ano: 2023


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