300 mil ienes no pelo olho. 1,2 milhões por um dos rins. Um dos testículos, 100 mil. E a dívida, herdada do pai, que segue em 38 milhões de ienes. Com fome, apenas um demônio moto serra como companhia, uma sombra segue nas costas do protagonista do mangá de 2018, do autor Tatsuki Fujimoto, Chainsaw Man. A série sobre um menino que pode brotar motosserras de seu corpo encontra formas de discutir o capitalismo, noções de trabalho em nossa sociedade e relações intrapessoais, de maneira irônica, pontual e por vezes, sangrenta.
O mangá do tipo shonen – termo utilizado para denominar mangás cujo público alvo é predominantemente masculino- semanal é estrelado por Denji: o titular Chainsaw Man. Em um mundo onde demônios tomam forma e aterrorizam as pessoas, existem caçadores de demônios que lutam contra essas criaturas, ora por honra, vingança, dinheiro ou dever.
Denji faz parte desse grupo, usando do dinheiro que consegue matando demônios para quitar a dívida que seu pai, já falecido, deixou. Como um cachorro sarnento e obediente, Denji, acompanhado de Pochita, um demônio motosserra que faz papel de bichinho de estimação do protagonista, segue seus dias vendendo seus órgãos, comendo pão puro e vivendo na miséria enquanto tenta quitar a dívida e não desobedecer a gangue que o mantém refém.
Aqui, a ganância é introduzida pela primeira vez em ambos mangá e anime. Quando percebe que a única forma de expandir seu território é por meio de um pacto com demônio, o líder da gangue a quem Denji deve, acaba morto pelo demônio que havia prometido riquezas e poder ao homem. Denji, um caçador de demônios, é morto também.
Em uma lixeira, jogado como restos, Denji faz um pacto com Pochita. Meio humano e meio demônio, ele é posto frente a um novo impasse: trabalhar para uma empresa governamental até o dia de sua morte, ou antecipar a data e ser executado como um demônio. A escolha é fácil, mas levanta questionamentos e reflexões por parte de quem lê ou assiste a Chainsaw Man.
“Hora de trabalhar”. Vemos um protagonista cansado, que se mistura à mobília de um quarto sujo e escuro, que anda com pés arrastados, fazendo sempre o mesmo caminho, atrás de um demônio para matar.
Há um senso de banalidade no que Danji faz, antes de se tornar Chainsaw Man, não o vemos matar nenhum demônio, como se a ação fosse tão corriqueira e sem importância, que não houvesse necessidade de demonstrar. Apenas quando o protagonista se torna o Homem da Motosserra é que o leitor pode ver as lutas e anseios de Denji que, meio louco, meio catártico, se torna um ser que foge ao entendimento daqueles que o cercam: é homem ou demônio? E isso importa se a máquina cumpre sua função?
A solidão e falta de propósito dão espaço a sonhos que, por mais que sejam descritos como banais por demais personagens, como Power, a demônia que quer salvar seu gato, ainda dizem de um Denji que nunca pode sonhar.
Entre a miséria e a repetição de um sistema que consome aos poucos tudo aquilo que o personagem tem a oferecer, ele escolhe sonhos alcançáveis, que antes pareciam impossíveis. Tocar em seios, comer pão com geleia, viver a vida para cumprir sua parte do trato com Pochita, que sonhava em um futuro melhor para o humano.
Qual seria a realidade que produz os sonhos de Denji? De uma hierarquia a outra, no final da cadeia alimentar, o normal é inalcançável. Resta ao personagem lutar e justificar seus sonhos perante uma sociedade que exige grandiosidade ao mesmo tempo que espera por trabalhadores máquinas.
Como Chainsaw Man, Denji, um homem máquina que trabalha para o estado, em seu formato mais primário e desumano, pode, finalmente, expressar sua ansiedade de simplesmente ser.
Ficha Técnica:
País: Japão | Roteirista: Tatsuki Fujimoto | Número de Episódios: 106| Ano: 2018
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