Se você tem interesse em estudar algum tema relacionado à cultura japonesa e já ouviu dizer que existem poucos livros sobre o país em português – o que inviabilizaria seu estudo segundo essas vozes desinformadas –, te convido a fazer uma leitura fundamental: Tempo e Espaço na cultura japonesa, livro escrito pelo crítico de literatura e cultura Shūichi Katō (1919 – 2008).
Na obra em questão, o autor parte de dois conceitos fundamentais: tempo, jikan, e espaço, kūkan. Ambos os conceitos são analisados profundamente e, para comprovar a forma específica pela qual eles aparecem no Japão, o autor começa com uma comparação com outras sociedades.
Por exemplo: antes de pensar sobre o conceito de tempo no Japão, ele examina o conceito no judaísmo, na Grécia Antiga, no budismo (que se tornou um traço incontornável nesta cultura) e, por fim, nos textos clássicos japoneses, com destaque para o Kojiki (em português, Relato das coisas antigas), texto fundamental que fala sobre a criação do Japão.
Fazendo uma análise das ideias e das formas simbólicas, Katō inova ao apresentar os elementos que constituem o estilo de ação, ou os estilos de ação do povo japonês. Esse é um de seus principais conceitos, sempre presente nas suas interpretações que tratam sobre as características da língua japonesa, da arte, da religiosidade e das formas pelas quais acontecem as relações sociais, objetos de pesquisa interessantes que normalmente estão entre os primeiros interesses de pesquisadores brasileiros.
Assim, o que o autor chama de “estilos de ação” é essa forma japonesa de ser no mundo, tanto individualmente quanto coletivamente, que aparentemente segue duas lógicas: a de tempo-espaço, vista pelo famoso presente longo, que afeta até a linguagem dessa sociedade – note-se a diferença dos tempos verbais do Japão, que se dividem em passado e o não passado. As frases e a comunicação de uma maneira geral necessitam de componentes a mais – os apostos – para designar algumas intenções do falante que se mostram, quase sempre, através de elipses.
A outra é a de subjetividade, traduzida nos jogos conceituais honne, algo como a real intenção, tatemae, opinião pública (no sentido de ser a posição que alguém assume pela unidade harmônica do e no campo público), uchi, “ser de dentro”, e soto, “ser de fora”. Esses conceitos estão por detrás dos hábitos que conhecemos, sobretudo da tendência ao ocultamento da qual falamos antes.
Por exemplo: a elipse se dá através do ocultamento de si mesmo, das opiniões e daquilo que seja potencialmente prejudicial, ou seja, é uma posição defensiva, objetivando a manutenção da harmonia de um todo, do qual somente participam aqueles que entendem suas regras, por sua vez, previstas nos conceitos apresentados.
Publicado pela primeira vez em 2007 e traduzido para o português por Neide Nagae e Fernando Chamas, em 2012 (Estação Liberdade), o livro reflete a maturidade do autor, consagrado pela análise que faz da mentalidade japonesa.
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