O próximo e o distante: Japão e modernidade-mundo, escrito por Renato Ortiz, inova ao propor uma espécie de explicação sociológica da aventura da modernidade para além dos referenciais eurocentrados que conhecemos, tendo como objeto heurístico o Japão e a sociedade japonesa.
O livro foi publicado em 2000 (editora Brasiliense) e é fruto da elaboração teórica do autor, que desejou problematizar a modernidade e a leitura tradicional que se faz sobre ela. Muitos pesquisadores mais clássicos a pensam como um programa que se expande de um centro europeu para o restante do mundo.
Por sua vez, Ortiz, após uma estada de aproximadamente três meses no Japão, visitando bibliotecas e espaços culturais consagrados em Tóquio, mergulha na história e na cultura dos hábitos para refletir sobre os marcos da modernidade para além das origens europeias do programa, partindo de uma análise das especificidades do trato social japonês.
O estudo dos temas sociais, como gostos, modos e cultura tradicional, que são pontuados no livro como integrantes da constelação de símbolos do Japão, revela uma concordância (não explícita) de Ortiz com o conceito de intuição poética de Roger Bastide, que dizia que a sociologia só poderia ser renovada e útil se se detivesse no estudo do imaginário do poder e da cultura – as imagens e formas sociais do discurso institucional sobre a tradição – e o inconsciente coletivo, os quais são usados para se compreender sociologicamente um todo articulado de relações e ações.
Nesse sentido, o trabalho pioneiro de Ortiz se utiliza da história japonesa como a base para compreender a relação da modernidade com a modernização, não só no campo econômico, mas também, e sobretudo, no campo cultural. Sociólogo de formação, Ortiz busca uma explicação da realidade japonesa e, como ele mesmo diz, a toma como “um espaço possível para a leitura do movimento de mundialização da cultura”.
Seu conceito de mundialização é importantíssimo, pois significa a compreensão dos novos alcances da esfera cultural, que se tornou um poder na era das relações globalizadas. A própria questão da identidade como construção segue a lógica dessa sociedade global, na qual existe um fluxo (e, eventualmente, contrafluxos não-hegemônicos) que atravessa essa construção em si. A partir dessas relações sociais planetárias, forma-se um conjunto articulado de comunicação que vai influenciar as formações identitárias e vice-versa.
Aplicando tal perspectiva, o autor comprova a existência de uma manifestação da globalização nas formas pelas quais os hábitos sociais acontecem. Ele se refere aos mesmos hábitos antes de 1868 e após 1945, momentos em que o Japão se encontrou com países-potências. Através desses contatos é possível ver mudanças na realidade japonesa orientadas pela preocupação com o restante do mundo, ao mesmo tempo em que há a permanência de elementos tradicionais no espaço público do séc. XIX e uma mudança das relações de força quando o Japão assume o campo da exportação da cultura pop no séc. XX e XXI. Para Ortiz, são movimentos de mundialização da cultura japonesa.
A aplicabilidade do conceito se materializa quando, por exemplo, pensamos o período Meiji, momento crucial para a política japonesa: ali nascia um Japão que precisava se modernizar e se atualizar de acordo com as práticas institucionais existentes no jogo das relações entre potências. Portanto, se pensarmos sobre as continuidades desde o período Meiji até a novíssima era Reiwa – a contemporaneidade – em que o Japão se renova na cena pública global, a leitura de Ortiz é indispensável.
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