Por Mateus Nascimento
Muitas pessoas questionam a possibilidade de se estudar a Ásia. Elas alegam a falta ou inexistência de materiais em nossa língua, mas, como já dissemos aqui, isso é fruto de uma desinformação quanto aos esforços transnacionais de países asiáticos para a publicização de seus pesquisadores e de suas produções científicas. Existem variados materiais oriundos dos países asiáticos já traduzidos para a nossa língua. Contudo, talvez seja uma condição de desinformação também relacionada à pouca observância de textos tradicionais que abordam temas asiáticos. Esse é o caso da pouco mencionada segunda parte do livro As origens sociais da ditadura e da democracia, do sociólogo Barrington Moore Jr.
Escrito originalmente em 1967, o livro trata dos tipos de relacionamento que tiveram senhores e camponeses no decorrer da história, buscando pensar como os interesses de classe se chocaram na construção da modernidade nas mais variadas realidades analisadas. Especificamente os textos dessa segunda parte se preocupam em explicar as formas pelas quais China e Japão chegaram ao mundo moderno, entendido aqui como o estágio do desenvolvimento industrial.
Capa do livro (Amazon).
Para Moore, a pesquisa histórica comprova a existência de três formas de passagem do mundo pré-industrial para o mundo moderno: 1. Revolução burguesa, que termina numa aliança entre o capitalismo e a democracia do tipo ocidental; 2. Revolução “de cima” (ou pelo alto em algumas traduções), via capitalista-reacionária, que termina no fascismo; e 3. Revolução camponesa, que termina no comunismo. Os três tipos são acompanhados de casos, pois a sua escrita visa comprovar a utilidade da sociologia comparativa norte-americana – sociologia histórica comparativa para alguns –, que propõe a análise comparada como método elucidativo mais potente.
Assim, primeiramente, para a China, o caminho da revolução camponesa estava dado pela condicionante da pobreza no próprio campo: sua situação econômica ficou abalada com o abandono de determinados tipos de plantação, com a quebra dos sistemas de irrigação e com o aumento do desemprego agrícola, pois o setor foi atingido pela concorrência dos têxteis e outros produtos mais baratos do Ocidente. Além disso, podemos citar o consumo do ópio que os ocidentais, e depois os japoneses, distribuíram, o que desagregou a moral e dissuadiu os camponeses de buscar melhorias, pois os índices de dependência atingiram cifras absurdas no período final do governo imperial.
Logo, a própria atuação do Partido Comunista Chinês sobre esse cenário de miséria e decadência não foi suficiente para provocar transformações profundas, segundo Moore. O Partido fundado em 1921, somente após a ruptura com Tchang-Kaichek em 1927, abandonou a estratégia ortodoxa de apoiar-se no proletariado para a tomada do poder e voltou-se para as massas camponesas.
De forma decisiva, a invasão dos japoneses e seus métodos de ocupação causaram preocupação entre os proprietários e funcionários do Kuomintang, os quais partiram do campo para novos estilos de vida nas regiões mais urbanizadas. Os japoneses cumpriram duas grandes etapas: eliminaram as antigas elites e fizeram nascer a solidariedade dos oprimidos. A guerra agravou uma situação revolucionária e a fez amadurecer.
Sobre o Japão, ficamos sabendo que a Restauração Meiji, que derrubou o shogunato, deveu-se a uma aliança entre uma parcela da nobreza e comerciantes conservadores temerosos da concorrência ocidental. O governo Meiji tomaria medidas importantes para refazer o Japão à imagem de uma sociedade industrial: criar um Estado centralizado e uma economia industrial. Os feudos tornaram-se unidades administrativas sob a direção do governo central, foi proclamada a igualdade perante a lei, foram suprimidas as barreiras locais que freavam o comércio e as comunicações e foi autorizada a aquisição de terras.
Barrington Moore Jr. (Foto da Wikipedia).
A ausência de revolução camponesa no Japão pode ser explicada por três razões fundamentais. O sistema fiscal dos Tokugawa parece ter deixado aos camponeses um excedente cada vez maior. Em seguida, contrariamente à da China, a sociedade rural do Japão era marcada por ligações estreitas entre a comunidade camponesa e o senhor feudal, mais tarde com seu sucessor, o proprietário agrícola. Enfim, as instituições sócio-rurais japonesas adaptaram-se muito bem à agricultura comercial com a ajuda de mecanismos de repressão, herdados do antigo regime, unidos aos novos, exigidos pela sociedade moderna.
Enfim, ele diz na introdução sobre seu projeto:
Quando se procura compreender a história de um país numa ótica comparativa, se é levado a levantar questões frutíferas e novas (…) e a comparação pode conduzir a novas generalizações históricas (…) poder-se-ia comparar as generalizações bem feitas a um desses mapas de grande escala que os navegadores aéreos usam para atravessar os continentes (…). É exatamente o que eu vou tentar fazer agora; vou traçar em grandes traços um esboço de minhas descobertas para dar ao leitor um primeiro apanhado do terreno onde nós vamos aventurar juntos.
Recomendamos a leitura. ^^
Ficha técnica:
Título: As origens sociais da ditadura e da democracia: senhores e camponeses na construção do mundo moderno.
Autor: Barrington Moore Jr.
Lisboa, Edições Cosmos; Santos, Livraria Martins Fontes.
Ano: 1975 (edição)
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