Por Fabiane Assaf (Via CEA-Centro de Estudos Asiáticos da UFF)
Quando se fala em revolução, muitas imagens surgem em nossa cabeça, como a chegada de operários ao poder ou grupos de guerrilha armados. Neste cenário, como pensar uma revolução islâmica e teocrática, caso da Revolução Iraniana de 1979, que teve consequências marcantes não somente para o Oriente Médio, como para o ocidente?
A sugestão de hoje responde à pergunta anterior e é a do filme “Persépolis” (2000), da artista gráfica Marjane Satrapi. Trata-se de uma animação de 96 minutos baseada na obra estilo quadrinhos homônima da autora. A história do filme é espécie de autobiografia da autora e retrata a vida no Irã pré e pós revolucionário. Marjane Satrapi nasceu no Irã em 1969 numa família que tinha ligações com o movimento comunista e muito cedo teve de ir morar na Europa por motivação política, fato que marca a sua vida. Assistiu em sua infância e início da adolescência aos eventos mais marcantes pré-revolucionários incluindo a queda do Xá, o regime inicial de Ruhollah Khomeini, e os primeiros anos da Guerra Irã-Iraque.
Aos 14 anos, em 1983, Satrapi teve de ser enviada a Viena, Áustria, por seus pais, a fim de fugir do regime iraniano e lá estudou no Liceu Francês de Viena. Como visto em sua autobiografia, ela permaneceu em Viena durante o ensino médio, morando na casa de amigos, em pensionatos e repúblicas estudantis, até finalmente ficar desabrigada e morar nas ruas. Após sofrer um ataque quase mortal de pneumonia, devido às precárias condições de vida a que estava submetida, ela retornou ao Irã, onde casou-se com um iraniano.
O filme é importante justamente porque aborda a crise de identidade que sofreu a protagonista ao retornar para sua cidade natal, Teerã. Enquanto no tempo em que viveu na Europa aprendeu a conviver e ter suas relações pautadas pelo status de imigrante terceiro-mundista, já não conseguiu sentir-se igual aos seus conterrâneos iranianos, familiares e amigos, ao retornar pela influência dos hábitos e pensamento ocidentais.
A reflexão é pertinente não somente por abordar as questões identitárias, como para pensar de que formas a guerra pode afetar o cotidiano, o emocional e a vida das pessoas, bem como os ruídos práticos do que Edward Said (1978) chama de orientalismo, ou seja, a forma como o Ocidente retrata o Oriente a partir de perspectivas próprias. Além disso, trata-se de valioso relato de um grave conflito político de proporções globais, a Revolução Iraniana de 1979, da perspectiva de uma criança, cujo vínculo familiar e busca pelo pertencimento, amor, amizade e lugar no mundo são latentes, característica comum a qualquer adolescente.
Em entrevista concedida à atriz Emma Watson em 2006, Marjane Satrapi explica sua escolha pela tinta preta para a produção da HQ justificando-a pelo fato de que nas histórias em quadrinhos a informação visual é tão importante quando a escrita, a opção pelo preto sendo espécie de facilitador do ritmo de leitura de uma história densa e na qual havia muito para ser contado.
Leitura e filme obrigatórios!
Fonte: Youtube
Ficha Técnica:
País: Estados Unidos da América, França | Direção: Marjane Satrapi e Vincent Paronnaud | Estreia: 27 de junho de 2007 | Duração: 96 minutos.
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