Chegou a vez de falarmos de Edward Said!
Para a maioria dos pesquisadores que se identificam com o campo dos estudos asiáticos, Said é uma leitura dessas que fundam questões e se tornam expoentes no tempo. Para outros, no entanto, a obra de Said é polêmica. Aijaz Ahmad (1932 –), teórico marxista indiano, é um dos que dirigem críticas bastante interessantes ao nosso autor sugerido. Ele o faz através de seu livro Linhagens do presente, que conta com um capítulo todo dedicado às contradições que vê na composição discursiva saidiana. O capítulo fortíssimo se chama Orientalismo e depois: ambivalências e posição metropolitana na obra de Edward Said, mas, talvez, o conjunto de comentários, críticas, resenhas e utilizações do texto de Said mais reforce seu poder teórico do que de fato o desabone, como acontece com alguns textos muito criticados.
Edward Wadie Said nasceu em 1935, em Jerusalém, no tempo do mandato britânico sobre a Palestina, e veio a falecer em 2003, estabelecido em Nova York. Sua obra é constituída de suas experimentações teóricas, bem concentradas no campo da literatura e da crítica literária, mas também considera de forma bastante viva a sua própria trajetória e a percepção crítica da história das relações coloniais e pós-coloniais.
Filho de uma família de cristãos (árabes cristãos), Said teve sua formação atravessada pela necessidade de movimentação. Por exemplo, precisou partir de Jerusalém quando houve a criação do Estado de Israel (ele e muitos) e por isso viveu no Egito, no Líbano e nos Estados Unidos, onde se baseou. Said se tornou professor da prestigiada Universidade de Columbia, sempre discutindo a questão palestina e propondo interessantes reflexões, muitas delas já publicadas no Brasil. Por exemplo, o livro Fora do lugar apresenta um pouco de sua vida e dos impactos psicológicos dessa conjuntura tensa entre Israel e Palestina e é recomendadíssimo nesse momento em que parece reacender o tópico sensível das guerras na região árabe-israelense, com as recentes notícias sobre o projeto de anexação.
Contudo, a obra que destacamos no início dessa sugestão é o famoso Orientalismo, publicado inicialmente em 1978.
Gostaríamos de te deixar com água na boca para ler, através de uma citação que fala muito daquilo que o livro examina. Diz Said, na página 322 de seu livro:
“O orientalista examina o Oriente a partir de uma posição superior, com o objetivo de tomar conta de todo o panorama que se espraia à sua frente – cultura, religião, mentalidade, história, sociedade. Para tal fim, ele deve ver todo detalhe por meio do estratagema de um conjunto de categorias redutoras (os semitas, a mentalidade muçulmana, o Oriente, e assim por diante).“
Por essa pequena passagem, vemos a dupla intenção saidiana de criticar, por um lado, uma determinada forma de ver e compreender as alteridades que estão no mundo – e ele critica o reducionismo que há em qualificarmos grupos distantes ou diferentes de nós segundo nossos próprios critérios de classificação – e, em segundo lugar, o impacto da agenda do imperialismo nesta explicação tradicional, quase que alertando sobre a violência das classificações tradicionais que conhecemos. Said passa todo o tempo de Orientalismo mapeando o surgimento e a manutenção de uma agenda que ele chama de projeto de invenção do Oriente pelo Ocidente, ou seja, ele está preocupado sobre como o colonialismo e o imperialismo trouxeram consigo formas de conceber o outro para fins de dominá-lo. Esse outro é o mundo, ou os mundos que estavam entre os alvos do projeto imperialista das potências dos séculos XVIII e XIX, embora Said traga a tese de que essa forma de narrar já existia no séc. XVII. Para esta empreitada ele vai aos clássicos da literatura ocidental, aos nomes mais significativos (como o de Ernest Renan, um dos primeiros a mapear a história de Israel com o viés do orientalismo) e a alguns eventos históricos marcantes, como o processo de construção e utilização do canal de Suez, por exemplo.
Assim, a obra saidiana é importante por vários aspectos, mas, principalmente, por nos possibilitar uma crítica daquilo que damos como natural. Não é incomum aprendermos conteúdos de história e geografia com essa forma criticada por ele. Talvez você mesmo se pegue pensando sobre como a história mundial parece só dar conta das experiências europeias e americana e, quando muito, outras realidades são apresentadas num jogo de comparações que visam reforçar o Ocidente. Veja: a democracia e o iluminismo vs. o despotismo oriental, as cruzadas contra o mundo islâmico (juntando numa mesma classificação uma multiplicidade de experiências sociais e culturais), ou mesmo a história japonesa que só começa nos livros didáticos a partir do séc. XIX para dizer que o Japão foi ocidentalizado no período Meiji da sua história.
São esses e outros exemplos que você vai poder questionar e tomar como objeto a partir da leitura de Said! Sugerimos a leitura de Orientalismo e esperamos que você seja frutífero nas suas aplicações da teoria que Edward Said propõe.
Ficha técnica:
Título: Orientalismo.
Autor: Edward W. Said.
Tradução: Rosaura Eichenberg.
Publicação: Companhia das Letras (selo Companhia de Bolso).
Ano: 2017.
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