Ryūnosuke Akutagawa, o filho do dragão como seu primeiro nome sugere, é um dos escritores japoneses mais conhecidos no mundo. Nasceu em 1892, filho de um casal supostamente rodeado de má sorte. O pai estava na casa dos 42 anos e a mãe com exatamente 33. As idades, como costume da época, não eram vistas como favoráveis para ter filhos ou qualquer desgaste mais exigente. Contudo, os infortúnios cercavam. Eles já haviam perdido uma filha antes, para a doença conhecida como meningite e a mãe do bebê é quem sofreu mais. Ela desenvolveu esquizofrenia numa condição severa. Ao nascer Akutagawa teve pouco convívio com seus pais e é encaminhado para uma família amiga do pai, para que fosse protegido de todo o contexto.
Contudo, apesar de todos esses percalços, merece destaque o fato de seus antepassados terem trabalhado com o alto escalão do governo Tokugawa (1600-1868), atuando como profissionais de cerimônia do chá. Isso precisa ser dito, pois é uma pista que mostra como nosso autor conhece o Japão tradicional e usa esse conhecimento para entender as transformações pós abertura Meiji – aquele momento de maior integração entre os nipônicos e os universos ocidentais, iniciado em 1868.
Akutagawa traduz em suas palavras elogios e críticas aos costumes e às inovações com as quais lidava. Na juventude foi um brilhante participante dos estudos literários. Pôde estudar os textos tradicionais chineses e japoneses, ao mesmo tempo que manuseou os textos ocidentais que chegavam ao Japão, com destaque para as obras francesas. Enfim, pode traduzir suas leituras em obras bastante conhecidas localmente. Seus textos falam do choque Japão-mundo, de si mesmo nessa conjuntura e um pouco de sua percepção sobre o Japão tradicional e as incursões ocidentais.
Escreveu contos sob a benção de Natsume Sôseki, e rivalizou com Junichiro Tanizaki. Ficamos sabendo das suas criações. Os 36 contos escritos entre 1914 e 1927, durante o período Taishō, os quais saíram em revistas literárias criadas por ele ou em sua coluna no jornal Ōsaka mainichi shimbun (jornal que lhe empregou e financiou bastante da sua escrita e suas viagens pela China e Coreia). Apesar da frutífera vida literária, as pressões da vida, uma dívida herdada que lhe consumia e desestruturação familiar o levaram ao suicídio, em 24 de julho de 1927, aos 35 anos. A situação é trágica, mas também simbólica. A data da morte é a mesma do dia do aniversário do desafeto, Tanizaki.
Talvez por esse aspecto poético e produtivo de sua vida tenha alcançado a importância que tem na cena literária japonesa moderna e mesmo após sua vida, pois dá nome a um dos principais prêmios literários japoneses, o prêmio Akutagawa, existente até os dias de hoje. Não só no campo da literatura, sua influência pode ser sentida no cinema, por exemplo com a obra de Akira Kurosawa que ganhou prêmio fora do Japão, ao adaptar para as telas as histórias de Rashômon 羅生門 e Yabu no naka 藪の中. (Alguns comentadores sugerem que este filme foi um divisor de águas na carreira do próprio Kurosawa).
Rashômon, conta a história de um samurai recém demitido que se encontra em vias de enlouquecer por conta da pobreza e precisa arranjar saídas para a falta de recursos e a fome. Ele vagueia na antiga cidade de Kyoto, capital do Japão, durante o período Heian. Ali passa pelo portão principal da cidade e percebemos o quanto toda a riqueza e opulência daquela que já foi a cidade satélite da corte ficaram para trás no tempo. Buscando uma solução para seus dramas, o samurai decide que roubar artigos dos corpos de falecidos ali abandonados poderia ser uma saída. No prosseguimento da ideia, encontra-se com uma velha de aparência simiesca (achei interessante essa construção da personagem) que vagueava entre os corpos roubando-lhes os cabelos, fio a fio.
Yabu no naka, por sua vez, conta uma história de uma violação sexual seguida de morte, sofrida por um casal que viajava para as montanhas. O par foi surpreendida por Tajōmaro, um ladrão famoso das terras de Yamashina, que além de ludibriar o casal, mata o homem, deixando a mulher viva. Conhecemos os passos da investigação do caso pelos relatos de todos os participantes, inclusive o próprio defunto reaparece em invocação por uma médium e desmente a coisa toda. Fica a recomendação de leitura!
Os contos estão em:
Akutagawa. Rashômon e outros contos. São Paulo: Hedra, 2008. 204 p.Ryunosuke Akutagawa. Kappa e o levante do imaginário. São Paulo: Estação Liberdade, 2010. (*Neste volume Yabu no naka foi traduzido por No matagal).
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